Ana Clara Lacerda

Sem título, 2023
Porcelana
38 x 20 x 20 cm

O fluxo das ideias e os gestos da mão buscam entrar em acordo, aprendendo com suas diferentes naturezas. A mente vai se tornando paciente, enquanto a mão cada vez mais ágil. A argila desliza na mão úmida e nesse ponto, logo se entendem. A mente vai se retirando ao perceber que o diálogo entre mão e barro é de outra ordem. A argila se afeiçoa das mãos, quando a mente desobriga as formas, e nessas condições, se torna especialmente generosa. No giro infinito, o torno transporta esse diálogo para onde não existe tempo da forma que conhecemos, e assim a argila resgata memórias de coisas que jamais vivi. A forma antes idealizada pela mente já não é prioridade, o importante é dar continuidade a dança das mãos deslizantes, dos dedos, talvez braços e do corpo todo que se engaja na brincadeira com o hipnótico movimento. As formas vão surgindo, e a mente preguiçosa vai deixando a mão e a argila criarem, geralmente a mesma forma, várias vezes, mas que nunca é exatamente igual. Cada vez mais o giro ritmado do torno encontra o ritmo dos movimentos da mão, entrando em perfeita sincronia. Com uma delicada firmeza, tudo se organiza no centro, com as três partes (argila, mão, mente) alinhadas durante todo o processo, se não, o centramento se perde e de repente tudo pode se desfazer num piscar de olhos.

Depois disso, ornamentos vão se plantando com a ponta do pincel, e conversando com a forma que a peça recebeu, sem compromisso com a representação de alguma espécie, são como plantações de pequeninas ideias que surgem a cada momento, muito nutridas das percepções que no giro do torno se expandiram num olhar para o universo inteiro.

Ana Clara Lacerda

Ana Clara Lacerda é ceramista, formada em artes visuais desde 2018, gosta de modelar coisas desde que descobriu isso possível, passando pela massinha de modelar, biscuit e papel machê, até finalmente entrar em contato com a argila e todo o processo da cerâmica, em 2015. Sempre encantada com a materialidade das coisas e com os fazeres artesanais de todo tipo, encontra na produção da cerâmica uma forma de viver, dedicando seu tempo em torno do desenvolvimento de objetos majoritariamente utilitários, na criação de peças que se direcionam a habitar a rotina, sendo continentes dos alimentos e bebidas que nutrem o corpo a cada dia. A partir da argila, da observação das plantas da natureza, descobre relações entre as coisas e se torna cada vez mais buscadora da conexão com a origem daquilo que nos rodeia.

Instagram: anaclarafl