Tipos de Catálogos

Na sequência, cada um dos termos relativos às coletâneas de informações sobre as obras de arte, será abordado[1] sem a intenção de exaurir o assunto, mas de tornar claros estes termos utilizados na pesquisa, e de evidenciar que a palavra catálogo é utilizada como sinônimo de outras apresentadas abaixo, ficando, desta forma, exposta a uma certa ambiguidade no Sistema da arte. Todas estas coletâneas, assim como a publicação dos trabalhos nas redes sociais, são formas de catalogação, de um tipo de registro e permanência.

Portfólio

É, em sua definição original, uma pasta de cartão para guardar papéis[2]. Já desde o início da carreira de um artista plástico, existe essa prática de reunir, em uma pasta, seus melhores trabalhos, para mostrar de acordo com o demandante (que pode ser uma galeria, uma aplicação em uma residência artística ou um edital de verbas públicas para a cultura, por exemplo). Essa coleção é escolhida de acordo com o interesse que se assume ou que foi declarado por parte do apreciador, ou seja, o portfólio é um catálogo elaborado com algum nível de curadoria, de escolha, com um propósito. O formato do portfólio foi sofrendo alterações de acordo com a necessidade de uso, de apresentação, de mídia[3], de tecnologia[4] e como uma meta-obra (alguns portfólios são ricamente elaborados). Não há, portanto, uma rigidez formal em sua apresentação e representa um investimento a mais para o artista, tanto em relação à escolha da coleção a ser mostrada, quanto ao tempo para elaboração e custos de impressão ou outra forma de mídia. O portfólio de artista tem alguns requisitos mínimos (PORTFÓLIO, 2016) que seriam:

  • uma biografia resumida do artista (também conhecida como ‘minibio’) em que deve descrever, de forma sucinta, sua carreira,
  • um texto descritivo dos motivadores ou linha de pesquisa;
  • as fotos das obras com a legenda (esta é composta de: título, ano, técnica, tiragem e dimensões) e
  • quando necessário, o descritivo da obra ou legenda estendida[5].

Catálogo

Por catálogo se entende a relação, o elenco, de todo o trabalho do artista, sendo, portanto, um conjunto maior do que o portfólio. O catálogo seria um levantamento da obra que pode ser elaborado pelo próprio artista, por prestadores de serviço, pelo marchand ou galerista como um catálogo geral do artista. De um modo geral, após a disseminação dos computadores pessoais, o catálogo passou a ser feito em planilhas eletrônicas, mas os meios analógicos ainda resistem, com produções em ficha catalográfica ou em um caderno, por exemplo.

Catálogo de exposição

Catálogo de exposição guia o visitante na compreensão da relação entre a exposição, a escolha curatorial, o artista em si e o museu. Estes catálogos legam para a posteridade o registro temporal de uma porção do acervo do artista, de um museu ou colecionador, “nunca tendem à totalidade de uma obra ou período histórico, sempre carregam uma marca de incompletude e transitoriedade” (NUNES, 2010, p.14). Possuem textos do curador, de críticos e a própria diagramação e escolha editorial evidenciam uma modalidade de interpretação da mostra (CARVALHO, 2012). Sendo ainda a maior fonte para pesquisas posteriores a respeito do artista e a sua trajetória (FILHO, 2013). Forma, assim como o catálogo raisonné, uma certa antologia e referência teórica sobre o artista e sua obra.

Catálogo raisonné

É uma modalidade de catálogo que tem como principal objetivo registrar as obras verdadeiras (de procedência verificada), distinguindo-as das obras falsas ou sem uma procedência clara[6] . Trata-se de um inventário, não só as obras do artista e seus dados, como do histórico destas em exposições e outros documentos que comprovem sua originalidade. O primeiro catálogo com esse objetivo foi compilado para as obras de Rembrandt elaborado pelo marchand Edme-François Gersaint em 1751 (NUNES, 2010). A pesquisa para fazer este tipo de catálogo pode ser desenvolvida por uma pessoa ou uma comissão (geralmente de historiadores da arte e arquivistas). Ele também pode ser feito para uma coleção particular. Neste caso se busca a autenticidade das obras que estão no acervo com o mesmo rigor. Possui um alto custo em sua produção, que costuma ser bastante demorada. Atualmente o espólio de alguns artistas vêm produzindo sites com o acervo e documentos que podem se aproximar de um catálogo raisonné eletrônico[7], tendo com isso a óbvia vantagem de facilidade na pesquisa, bem como a publicação enquanto a pesquisa vai sendo realizada.

Inventário

O inventário é um levantamento das obras, por ordem de entrada na instituição ou acervo, e tem como ponto central o Livro de Tombo[8]. Seu objetivo é o de identificar de forma individualizada as peças que compõem o acervo e seus dados objetivos para depois estabelecer as políticas de conservação, acesso e a documentação. Em decorrência de um inventário em um museu, pode ser gerado o catálogo geral do acervo do museu.

Composite

O processo criativo de vários artistas passa pelo hábito de tomar notas, de fixar nas paredes esboços, de manter um sketchbook à mão e permitir que esses recursos estejam disponíveis quando as ideias surgem, o que não necessariamente acontece dentro do atelier. Nos museus de arte contemporânea têm-se valorizado a exposição de alguns destes composites junto à obra como prática de contextualização evidenciando o caráter de trabalho experimental e artístico[9]. A documentação no processo criativo é importante para arte, assim como é para o Design estratégico. Para os dois campos (Arte e Design estratégico) o processo criativo é quase tão importante quanto o resultado (a obra de arte ou o produto ou o Sistema Produto Serviço, por exemplo). As duas áreas são reconhecidas pela criação dos efeitos de sentido e cultivam a fleuma do gênio criador, que não revela seu processo.

Instruções para exposições

Também tem sido uma prática dos artistas oferecer ao museu uma documentação com instruções sobre o processo de instalação, desmontagem da obra e sua conservação, principalmente no caso de instalações, arte digital[10] e performances[11].

A artista plástica portuguesa Ângela Ferreira, desde a exposição ‘Sob um signo de Amadeo’, acrescentou um pequeno texto junto à ficha técnica e depois disto, a cada exposição, passou a revelar seu processo criativo junto com a obra, acrescentando um maior nível de detalhe. Seu local de criação é a cozinha de sua casa, é onde afirma que as ideias surgem e, em suas paredes, vão se montando painéis de folhas A4 que depois passam a ladear as obras nos espaços expositivos (AZEVEDO, 2018). O objetivo é o de documentar alguns dos processos criativos do trabalho em questão. Para ela, algumas vezes a documentação ocupa o lugar do objeto artístico e como o processo de investigação que antecede a criação nem sempre perpassa a obra, a artista sente a necessidade de informar o público de como se chegou até o momento expositivo.

A socióloga, Anne-Marie Duguet (2009) propõe os anarquivos, que foi um recurso utilizado para recuperar memórias dos trabalhos do artista visual Antoni Muntadas, que pode ser tomado por referência por seu trabalho com obras de natureza efêmera. Para substituir, em termos de arquivos, a simples acumulação por precisão e diferenciação. O primeiro – precisão – como o detalhe da descrição de uma obra e o segundo – diferenciação – como as modalidades de associação, evidenciando um conjunto de regras próprias e considerando as condições para que uma obra exista. Na análise de Duguet, o que torna difícil descrever e analisar as obras efêmeras é que elas se colocam em espaços tridimensionais, oferecem informações imprecisas (tanto na dispersão, como na má qualidade dos documentos) e, principalmente, pela própria natureza da obra. E, muito relevante, é necessário considerar que as instalações efêmeras não possuem um modo único de se apresentar (como o fazem pinturas ou esculturas). Estas instalações requerem um conjunto de instruções para sua configuração e identidade específica. A cada instalação há um novo exemplo da própria obra, sendo que todas são autênticas e sofrem pequenas variações, atualizações, ou seja, adaptações. De acordo do Duguet (2009) é o conjunto das instruções de montagem (prescrições) e de suas diferentes atualizações que nos permite compreender que são parte de um todo. Mas ao mesmo tempo essa descrição é parcial ou abstrata. Desta forma, Duguet sugere que há um hibridismo entre a obra a ser arquivada e as diferentes apresentações da obra, uma trama estreita em que se completam e se precisam, mutuamente. “Eu “anarquivo” quando eu me autorizo a criar pseudoverdadeiros documentos. Um “documento sobre uma ideia”.” (DUGUET, 2009, p. 61, grifo da autora).

Seriam apenas as instalações que teriam essa necessidade de terem associadas à sua narrativa, instruções de montagem, fotografias, registros do público a si ou as obras, “[…]como a pintura ou os objetos, sempre idênticos, à contemplação e à reprodução ou à cópia”. (DUGUET, 2009, p. 59), também possuem uma narrativa outra que as mantêm vivas, embora idênticas? Não respondo a esta questão durante a pesquisa, deixei apenas como uma reflexão a respeito da importância/desimportância que se dá à obra por completo, não só o quadro (por exemplo) exposto, mas à história do quadro, como um todo.

Livro de Artista

O Livro de Artista é uma forma de obra de arte em que o artista tende a ser o autor e costuma ser uma publicação independente. Serve de suporte de experimentação artística a partir da aproximação (ou o atravessamento) entre a palavra escrita e a arte[12]. Diferenciando entre a obra escrita e a obra livro, operando uma apropriação de objetos gráficos da leitura (SILVEIRA, 2008).

Trata-se da opção pelo sentido lato, na qual o livro de artista é um filo, um tronco formal. Seu grupo de manifestações incluiria o livro de artista propriamente dito (geralmente uma publicação), o livro-objeto (que o precedeu historicamente e ainda o acompanha), o livro-obra (muito mais uma qualidade, uma adjetivação, do que um produto autônomo), além de – por que não? – os livros e não-livros escultóricos, certos experimentos digitais, algumas instalações e todo um mundo de objetos ou situações que determinaremos como sendo ‘livro-referentes’, mesmo que remotamente. (SILVEIRA, 2012, p. 52, grifo do autor).

Sendo mais do que uma modalidade editorial (é uma obra de arte) ele sugere um deslocamento (do suporte livro) para a produção de outros sentidos (para além dos oferecidos pelo texto).

Há uma confusão natural que o próprio nome sugere: livro de artista. Pois este termo era usado para os livros de luxo ilustrados por artistas no início do século XX (livres d´artiste). O livro Twentysix gasoline Stations, do escultor Ed Ruscha, com 26 fotos de postos de gasolina e nenhum texto, é considerado o pioneiro, mas não o primeiro. Esse status se deve mais à repercussão que o livro causou e o fato de ter tido a primeira tiragem com 400 unidades, numeradas e assinadas pelo artista (SILVEIRA, 2008).

A seguir enumero, ainda que brevemente, um pouco da biblioteconomia, museologia e arquivologia, disciplinas que notadamente, lidam com estas questões hierárquicas e taxonômicas. E posteriormente seguiremos nessa busca pela expansão da compreensão de catálogo como um processo que permite um deslocamento metaprocessual e o papel mediador do Design estratégico.

Referências do texto


[1]    A sequência não propõe nenhum tipo de hierarquia entre os termos e foi sendo compilada de acordo com a minha necessidade de esclarecê-los aos diferentes interlocutores durante o processo da pesquisa participante.
[2]    Sua etimologia passa pelo inglês portfolio (do qual mantém a grafia acrescendo um acento agudo e apresenta a variante ‘folder’ com o mesmo significado de pasta) que, por sua vez, remonta ao italiano portafoglio (que seria uma carteira ou pasta para levar dinheiro ou documentos de papel) (PORTFÓLO…, 2016).
[3]    Não se aplica a ideia de pasta, para mostrar blue prints ou telas, ou amostras de trabalhos escultóricos, sendo necessários outros formatos para a entrega ao avaliador.
[4]    Desde o início da internet foram elaboradas diversos modelos e formas de entregas digitais de portfólios. Existem, inclusive, sites especializados em portfólios para o Design Gráfico, Fotografia e Artes plásticas, por exemplo o Behance da Adobe https://www.behance.net/.
[5]    Texto sem a emissão da própria opinião ou autocrítica, apenas a explicação da proposta da obra.
[6]    Pode ser traduzido como catálogo arrazoado.
[7]    Ver exemplos de Itamar Assumpção e Wesley Duke Lee.
[8]    Daí origina-se a expressão ‘tombar’ ou ‘tombamento’.
[9]    Mais adiante será abordada a documentação no processo criativo com mais detalhes.
[10] A exposição e a custódia da arte digital se tornaram um desafio aos museus pela necessidade de manter equipamentos e protocolos compatíveis com a mídia original.
[11] O artista plástico Antoni Muntadas foi um dos primeiros a oferecer estas instruções em suas instalações e, a partir do trabalho da socióloga, Anne-Marie Duguet com estes materiais, foi cunhado o termo Anarquivo que será detalhado mais adiante.
[12] Ver em Alcântara e Lamas (2018) o relato dos processos envolvidos na elaboração da curadoria para expor a obra “Livro de Artista” de Schwanke.