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Será mágica especular?, 2023
Cerâmica queimada a 1100º. Pintura acrílica
44 x 18 cm
8ª Fa?bula – Mitologia
Reflexões sobre o “Teatro do absurdo”
Ensaio sobre alguma imaginação cosmológica.
Personagens:
Figueira 1 – em pé
Figueira 2 – de cabeça para baixo sobre a figueira
Pedra – entre a figueira 1 e figueira 2 Casa abandonada
Ar
Energia
Figueira 2: nasci de cabeça para baixo e raízes para cima, fixas no ar, como energia. Sobre a pedra que se fixou nas folhagens da figueira 1, ou seria o contrário?
Figueira 1: foi na época em que a imaginação começou a afirmar que a terra era uma esfera olhando para as formas e sombras da lua, do sol e da própria Terra.
Pedra: os habitantes não entendiam por que e se confundiam. Para eles, a Terra era uma imensa superfície, relativamente plana, com relevos. Custaram a aceitar que era um globo.
Figueira 1: na esfera, o sentido para cima é exatamente o contrário (para baixo) de quem está do outro lado da esfera e vice-versa.
Energia: no Universo não há sentido pensar que algum objeto está acima ou abaixo. Tudo depende das forças de atração e repulsão, da energia gravitacional e outras energias.
Ar: a explosão primordial (Big-Bang) na formação do Universo produziu uma energia inimaginável. Lançou no espaço sideral partículas incandescentes de altíssima temperatura, minerais diversos de tamanhos diferentes, em fusão (magma).
Energia: massas pastosas rodando como pião tornearam-se e quando esfriou eram esferas: planetas, satélites etc., como no sistema solar.
Pedra: sou testemunha viva dessa transmutação e de muitas outras. Sou parte do pião que respingou como se fosse respingos do mar agitado.
Energia: sem nós, não acontece! Outras partículas como o sol e as estrelas não esfriaram ainda e suas energias influenciam os outros elementos do Cosmo.
Casa abandonada: tudo é relativo nessa existência como os sentidos e direções. Conhecemos pouquíssimo das dimensões infinitas de tudo.
O mistério continua… mas sabemos que tudo que existe no Universo é da mesma origem e de suas transmutações incansáveis.
Esta escultura – fábula nasceu na névoa de uma manhã fria de junho em São Paulo.
Pedra: Somos todos feitos com a mesma matéria do Universo. As figueiras, a casa abandonada, água, ar o ser humano, os animais, as energias, eu, tudo.
Figueira 1: Há uma continuidade de cada elemento do Universo e suas energias em nós, um encontro dialógico que não deixa de ser absurdo.
Casa abandonada: uma comunhão de todos os elementos, vivos ou não, de todas as épocas.
Energia: Um elemento se depara com outro elemento, ambos se olham e começa uma forma de união e transmutação.
Estou muito feliz porque nesta fábula comungamos com tudo e todos, inclusive com o desconhecido e com essa névoa paulista.
Figueira 2: “Será mágica especular que em sua diáfana identidade recria imagem fiel e contrária, como sombra inseparável, veloz, íntima e simultânea? Representação da imaginária poética ou objeto enganador?”
Talvez uma das emergências do oculto não escolhido, mas simplesmente aceito porque imponderável, quase sempre desconhecido e improvável, pelo menos invisível, que descreve o mistério insistente, leve, genuíno, silencioso e discreto. O que é!
O visível e o invisível, o real e o irreal se complementam como tudo, e só significam em sua completude, sendo entendido apenas em parte pela persistência dos mistérios do Universo.
Megumi Yuasa
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Nasceu em 1938 em São Paulo capital. Inicia os trabalhos em cerâmica em 1964 e viaja pelo interior do Brasil, construindo fornos e pesquisando materiais e técnicas. Em 1968 realiza sua primeira exposição em Goiânia e em 1969 retorna a São Paulo. Logo seu trabalho passa a ser reconhecido. Foram, até o hoje, mais de 80 exposições coletivas no Brasil e no exterior, mais de uma dezena de importantes exposições individuais em importantes museus e galerias. Recebeu muitos prêmios e suas obras fazem parte do acervo dos principais museus, galerias e coleções particulares no Brasil e exterior. Até o momento participa e orienta encontros e workshops com artesãos, ceramistas e artistas de todo o Brasil, além de participar de exposições e se dedicar à pesquisa para utilização de diversos materiais e conhecimento multidisciplinar. É considerado um mestre dos mestres e recebe várias homenagens por sua obra.
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Árvore, 2016
Cerâmica queimada a 1100º. Pintura acrílica
24 x 18 cm
MEGUMI YUASA E SUA OBRA
Desvendar a obra de um artista é ao mesmo tempo difícil e fascinante. É tentar penetrar num universo misterioso e muitas vezes inviolável.
Foi assim com Megumi Yuasa. Foram longos anos de convivência, muitos diálogos, leituras, discussões sobre diferentes e instigantes temas, muitos trabalhos desenvolvidos conjuntamente, somados a todos os anos pesquisando sua obra, conhecendo seu pensamento e mais a leitura de uma grande quantidade de textos escritos por ele próprio.
Toda essa vivência permite hoje ter alguma condição para falar sobre sua obra, tendo sempre o cuidado de respeitar os limites do mistério que permanece e deve permanecer preservado.
Megumi é sobretudo um pensador. Busca em suas reflexões entender a arte, os processos de criação, a origem das coisas e dos seres, a natureza, a vida, o universo, Deus, etc. Busca também compreender a relação entre a ciência, a filosofia e a arte. Seu pensamento, sempre instigante, reflete sobre sua obra e sobre outros, que ao longo dos anos tenham estado sob sua orientação ou que tenham tido alguma forma de contato. Tornou-se uma referência.
“A arte não é o mais importante. Importante é a vida”. Com esta frase Megumi resume bem o espírito de sua obra. Em seus trabalhos depreende-se sua trajetória de vida, seu pensar. A infância, as brincadeiras, a família, as viagens, a vida na natureza, as paisagens, as reflexões, os sonhos, a loucura, as sensações, as
memórias, as adversidades, as insuficiências, as relações interpessoais. Assim, ao longo de sua produção artística, vai construindo uma linguagem própria, criando objetos que vão integrando um conjunto de elementos que ficam à disposição para serem utilizados e reutilizados, recombinados.
Esses elementos possuem significados próprios, mas quando colocados em combinatória com outros objetos, adquirem novos significados.
A partir da observação do mundo que o cerca, do visível e do invisível, cria seu próprio universo de discurso, composto pelo conjunto dos objetos e de regras combinatórias que vão sendo elaboradas. É um processo de constante reiteração, onde a repetição provoca a diferença. Árvores, sementes, nuvens, “espássaros”, casas, personagens, paisagens e outros, são elementos frequentes em sua obra.
Eles aparecem algumas vezes compondo um único objeto ou em combinação com diversos outros objetos, formando “constelações” ou “conjunções”.
A árvore, é o elemento que aparece com maior frequência. Apesar de serem infinitas e variadas as árvores de seu repertório, todas são a mesma grande figueira da infância, em torno da qual quase tudo acontecia. As brincadeiras, a relação com os irmãos e com os adultos. É o ser primordial da natureza, da vida. Cada árvore nova produzida é única e ao mesmo tempo aquela da infância. Ela é a representação maior da reiteração gerando a diferença. Isso ocorre também com outros objetos, mas com menor frequência, o que não determina uma hierarquia.
Todos os objetos têm igual importância na obra, cuja relevância maior não decorre do objeto final, mas sim do processo, do diálogo com a matéria, consigo mesmo, com os outros, com o observador da obra, com artistas, cientistas e pensadores contemporâneos ou não, vivos ou mortos, com o mundo observável e o não observável.
Ocorrem ainda os diálogos da matéria, como as formas, as cores e os diferentes materiais utilizados e que também compõem o seu repertório.
Os diálogos nem sempre ocorrem de forma linear, não precisam necessariamente ser coerentes, podem ocorrer entre vivos e mortos, ou entre personagens que nunca existiram. Podem ser absurdos e improváveis.
São esses diálogos que importam ao artista, incluindo aqueles que ocorrem entre os elementos que compõem os objetos, os objetos entre si, entre os espectadores e os objetos e assim por diante, construindo um amplo universo de discurso com infinitas possibilidades de interpretação.
A imaginação e o sonho entram como fatores importantes, atribuindo a obra características metafóricas e possibilitando a depreensão de múltiplas camadas narrativas, plenas de significação.
Enfim, a vida, a obra, o artista, o público observador, se fundem em um único grande diálogo.
Autora do texto: Sandra Lagua
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